O presente do Natal de 2022 não chegou, mas veio neste ano com algo a mais para compensar a frustração. Com base na teoria do risco-proveito, a 28ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) confirmou a condenação do Mercado Livre a restituir a um consumidor o valor pago por um telefone celular não entregue e a indenizá-lo em R$ 3 mil por dano moral. Apesar de não efetuar a venda, a plataforma deve ser responsabilizada por integrar a cadeia de fornecimento do produto, conforme o acórdão.
“Ao atuar permitindo anúncios de terceiros em sua plataforma digital, o Mercado Livre ‘empresta’ o prestígio e a credibilidade de multinacional gigante da tecnologia ao vendedor, o que gera confiança ao comprador, impulsionando, assim, as vendas”, observou o desembargador Michel Chakur Farah. Segundo ele, a plataforma responde solidária e objetivamente pelos danos causados ao consumidor porque faz parte da cadeia de fornecimento do produto e, nessa condição, obtém lucros.
Relator do recurso de apelação interposto pela empresa, Farah fundamentou o seu voto nos artigos 7º, parágrafo único, e 14 do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Para o julgador, além de ser “patente” o dano moral, o caso dos autos “configura verdadeiro escárnio com o consumidor — o autor também ficou impossibilitado de acessar sua conta na plataforma do marketplace, após notificar a empresa sobre o acontecido, punido mesmo estando na qualidade de vítima”.
A situação, prosseguiu Farah, ultrapassou um “mero aborrecimento”, causando “angústia e constrangimento”, principalmente porque o autor da ação tentou solucionar a demanda extrajudicialmente, mas teve a sua conta no Mercado Livre bloqueada após expor o ocorrido e requerer a devolução da importância paga. Os desembargadores Dimas Rubens Fonseca e Berenice Marcondes Cesar seguiram o relator para negar provimento ao recurso e manter a sentença do juízo da 27ª Vara Cível de São Paulo.
Sabonete e pedras
O autor da ação narrou na inicial que comprou um smartphone por R$ 1.749, no dia 15 de fevereiro de 2022, para presentear o seu filho no Natal. Ao receber a encomenda e abrir a caixa, foi surpreendido com duas pedras e um sabonete no interior. Em contato com o Mercado Livre, recebeu como resposta que o pagamento feito não poderia ser devolvido, sofrendo ainda a suspensão de sua conta. Na expectativa de ser ressarcido, ajuizou ação, na qual também pleiteou indenização por dano moral.
Segundo a empresa alegou em juízo para se eximir de responsabilidades, o autor não preencheu os requisitos necessários para a aplicação do Programa Compra Garantida, que prevê a devolução de valores em hipóteses de problemas com o produto adquirido. Também argumentou atuar como mero intermediador da compra e venda dos itens anunciados na plataforma, não possuindo qualquer vínculo com a mercadoria comercializada.
O colegiado considerou “irrelevante” o preenchimento dos requisitos do Programa Compra Garantida. “Aplica-se ao caso a teoria do risco-proveito, segundo a qual o dano ocasionado pela ausência de entrega de produtos comercializados por meio da plataforma é ônus inerente à natureza do negócio desempenhado pela ré, por meio do qual ela aufere lucros, o que lhe impõe o dever de adotar medidas efetivas para assegurar o controle de qualidade dos serviços prestados, de onde decorre o dever de indenizar”.
O valor de R$ 3 mil de indenização não mereceu reparo. Segundo o acórdão, a sentença o fixou dentro de um critério de “prudência e razoabilidade”, por impor à requerida uma sanção, por meio da diminuição de seu patrimônio, e proporcionar ao consumidor uma “satisfação que atenue o dano”. A 28ª Câmara de Direito Privado apenas elevou os honorários advocatícios a serem pagos pela recorrente. Elas passaram de 10% para 20% sobre o valor da condenação. O autor havia pedido R$ 10 mil a título de dano moral.
Fonte: Conjur